/* -- sidebar style -- */ #footer p {margin: 0; padding: 12px 8px; font-size: 0.9em;} #footer hr {display: none;}

quinta-feira, junho 08, 2006

Reinventando os super heróis

Por João Miguel Lameiras

O mais popular (mas também o mais redutor) género de BD americana, as histórias de superheróis continuam a ser um fatia muito importante da BD publicada nos Estados Unidos, não admirando por isso que sejam inúmeros os autores que procuram à sua maneira reinventar um género que caminha para a saturação. “Kingdom Come” e “A Pro”, os dois livros em análise esta semana, provam que essas tentativas de reinvenção podem ser feitas de maneiras completamente diferentes, como diferentes também são os resultados.
Comecemos por “Kingdom Come”, série que junta o popular desenhador Alex Ross com o argumentista Mark Waid numa história que procura reproduzir o sucesso de “Marvels” (ver Diário As Beiras” de 12/9/1997) substituindo a visão nostálgica das origens do Universo Marvel por uma viagem ao futuro distópico do Universo da DC Comics, a editora de Batman e de Superman.
Um dos mais populares artistas americanos da actualidade, e não só no mundo dos comics (Ross já fez ilustrações para a Time, TV Guide e até para o cartaz da Entrega dos Óscares de Hollywood), Alex Ross saltou para a fama com o já citado “Marvels” e desde então é procurado pelas principais editoras para recriar com o seu estilo pictórico os seus heróis e vilões. Excelente pintor e retratista, Ross é senhor de um estilo hiperrealista que lembra bastante as ilustrações de Norman Rockwell, embora com um toque épico normalmente ausente do trabalho do célebre ilustrador do “american way of life” e que se adequa perfeitamente às histórias de superheróis, cujos personagens são por definição “larger than life”.
Mas se o trabalho de Ross é espectacular, justificando bem o formato europeu escolhido pela Vitamina BD para publicar esta série em 4 episódios, já o argumento de Mark Waid, apesar de algumas boas ideias, como o Planet Kripton, uma cadeia de restaurantes temáticos inspirados nos superheróis, limita-se a trilhar um caminho já seguido por Alan Moore em “Watchmen” e em “Twilight of the superheroes” (um projecto sobre o futuro do Universo DC que nunca foi para a frente devido à quebra de relações entre Moore e a DC, mas onde este “Kingdom Come” foi buscar muita coisa, não só em termos do conceito) e por Frank Miller em “O Regresso do Cavaleiro das Trevas”, sem conseguir sequer aproximar-se dos originais. A receita é conhecida e consiste em arrancar à reforma ou à clandestinidade as velhas glórias superheróicas para salvar um mundo que deixou de contar com eles, sendo a ameaça neste caso constituída por uma nova estirpe de superheróis hiperviolentos, claramente inspirados nas personagens da Image e nas novas gerações de mutantes da Marvel, só que é evidente que, ao contrário de Moore, o cozinheiro Waid não tem arte para dar um tempero próprio ao prato, que assim aparece inevitavelmente requentado.
Algo que não se pode dizer de Garth Ennis, o escritor da “Pro”, cujo humor desbragado e politicamente incorrecto é claramente personalizado e imediatamente identificável. Embora este “Pro” esteja longe de ser dos seus trabalhos mais importantes, honra que cabe à série “Preacher”, que a Devir vai editar em Portugal, estamos perante uma muito conseguida e divertidíssima paródia às histórias de superheróis, com uma carga sexual pouco habitual nas grandes editoras. A Pro que dá nome à história é uma prostituta com um filho para criar, que ganha inesperadamente superpoderes e que, um pouco contra vontade, se vê integrada numa espécie de Liga da Justiça, em que são reconhecíveis paródias a heróis clássicos da DC, como o Superman, Batman (com o inseparável Robin...), Mulher Maravilha, Lanterna Verde e Aquaman, acabando por se sacrificar para salvar o mundo. Assim contado não parece muito divertido, mas a história é completamente delirante, com momentos verdadeiramente hilariantes, como a cena em que a Pro faz sexo oral com o equivalente do Superman, com resultados verdadeiramente explosivos, ou o momento em que um grupo de prostitutas, liderado pela Pro, se vinga de um cliente que as maltratava.
O desenho semi-caricatural de Amanda Conner, muito bem arte-finalizado por Jimmy Palmiotti adapta-se como uma luva ao tom de paródia de uma história que nunca poderia ter sido feita numa grande editora, como a Marvel e a DC, e que confirma que o irlandês Garth Ennis é decididamente uma lufada de ar fresco no mercado dos comics americanos.
Embora ambos os trabalhos tenham os seus méritos, a “Pro”, talvez por ser o mais despretensioso, acaba por concretizar melhor o seu objectivo, ao contrário de “Kingdom Come” que, embora relativamente interessante, não está à altura da ambição de Waid, nem das espectaculares ilustrações de Alex Ross.

Copyright: © 2003 Diário As Beiras; João Miguel Lameiras

Publicado em: Diário As Beiras, 20 de Setembro de 2003

Fonte: http://www.bedeteca.com/index.php?pageID=recortes&recortesID=914